sexta-feira, 24 de junho de 2011

Sonho de Criança




Ouvi e tremi. Sabia que era apenas uma história, mas não pude evitar que um tremor se espalhasse pelo meu corpo ao reparar nas semelhanças com a minha realidade. Este conto sussurrado parecia nada mais do que a nossa história.

Falava de um rapaz. Era novo e ingénuo. Vivia sozinho, numa casa no meio de uma floresta. Não havia ninguém por perto e o sua única amiga era a sua sombra. Não conhecera mais ninguém igual ou semelhante ao reflexo que via todos os dias no espelho do seu quarto. Ainda assim, o rapaz era feliz na sua solidão.

Certo dia, enquanto colhia, das árvores mais altas, os frutos para o seu jantar, aproximou-se algo dele. Era semelhante a si, se bem que tinha os olhos de outra cor e usava o cabelo mais comprido. Vinha com um ar hesitante no rosto, mas com um sorriso desenhado nos seus lábios. O rapaz, apanhado de surpresa, deixou cair o seu cesto, e fugiu para dentro da sua casa, e jurou não sair enquanto a rapariga lá estivesse. Ele temia-a.

Só que os dias passaram, e ela não se afastava da casa do rapaz. Por vezes, impaciente, batia na porta e nas janelas, pedindo que saísse ou que a deixasse entrar. Mas ele não queria. Estava tão bem na sua solidão acompanhada da sua sombra que não precisava da companhia dela.

Apenas anos depois, a rapariga desistiu, e somente porque foi apanhada pela morte. Estava fraca, de tanto aguardar pelo rapaz, que acabou definhando. E assim, o rapaz, que já era homem, pôde voltar à sua vida normal, sem ninguém a lhe perturbar. Só ele e a sua sombra. Outra vez.

Quando a ouvi, identifiquei-te mais com ela do que eu com ele. E pensei: "Ainda bem que ela não demorou tanto tempo!" É um prazer ver-me livre dessa maldição. É o meu sonho de criança, viver sem ti.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Fim

Lá porque tudo se acabou, não quer dizer que seja o fim de tudo. Porque apenas findou mais uma era, mais um reinado de insucesso. O termino é apenas o principio. Não sei se de algo melhor, se pior. Mas não será com certeza o fechar de portas do mundo.

Se ainda quiseres, posso dizer-te porque falhamos. Fomos descuidados, imbecis até. Tu porque quiseste acreditar que as coisas seguiriam o seu rumo natural e todas as peças se encaixariam nos sítios correspondentes, sem que fosse necessário nenhum esforço que não fosse sorrir. Esqueceste-te de uma parte muito importante, uma pequena informação que podia alterar o curso que seguimos: eu não sou normal. Não faço parte das padrões standard pelos quais te reges.

Colapsamos, lentamente, como um castelo de areia esquecido numa praia, desgastado pelo vento e pelas ondas do mar. Desaparecemos, grão a grão, até nos tornarmos dois outra vez. Separados, como no inicio antes do fim. O fim trazido pela nossa separação.

Não é o final, este fim que caiu sobre nós. Ainda faltam-me cumprir tantos objectivos, tantas promessas, tantos desejos. Não vou findar a minha vida, por algo tão insignificante. Serei sempre maior que os fins. Afinal, eu sempre prometi que iria tocar o céu, passar os meus dedos entre as nuvens e afagar o sol e ainda não o fiz. Este, prometo, não será o fim.

domingo, 12 de junho de 2011

Restos de Humanidade


Foi num domingo. Lembro-me como se fosse ontem...

Estavas a passear-te pela mata, de cabeça baixa, pensando na tua vida. Arrastavas os pés, derrotado, enquanto combatias os pensamentos que tentavam desmoronar-te. Não tinhas ninguém ao teu lado e era isso que mais te custava. Olhavas para a direita, e não vias ninguém. O resultado do teu olhar sobre a esquerda era exactamente o mesmo. E quanto mais te apercebias da tua solidão, mais te enterravas em ti mesmo, sofrendo como se te torcessem o coração e to arrancassem.

Dois dias antes, tinhas feito um acto digno de ser categorizado como 'demente'. Afogado na mágoa da tua solidão, privaste-te do teu coração e puseste-o à janela. Querias tanto, mas tanto que alguém reparasse nele e se apaixonasse, ou pelo menos que tivesse compaixão, que ele manteve-se activo, batendo freneticamente, mesmo sem o teu sangue a irrigá-lo. Impressionante mesmo. Contudo, a tua tentativa de promoção do teu amor foi um total fracasso e lá tiveste de o coser novamente ao peito, sem nenhum outro para se lhe juntar.

As memórias atormentavam-te e faziam-te desejar desaparecer. Apareciam escritas nos troncos das árvores pelas quais ias passando, como fantasmas do passado que juraram assombrar-te até o amor se dignar a habitar-te. Deixavam-te num ponto em que desejavas enlouquecer, apenas perder a cabeça e deixar para trás todas as complexas teias do amor. Contudo, era-te impossível enlouqueceres. Estavas demasiado consciente, demasiado lúcido para perderes noção das barreiras, dos limites que a tua mentalidade impunha.

No meio da mata, eras um homem abandonado. Sozinho, não como uma ilha num mar gigantesco, mas sim como um planeta sem galáxia, numa extremidade esquecida do universo. Rejeitado pela ignorância dos outros e ainda mais distante pelo teu conforto. No entanto, no meio daquela mata, achaste-te a ti próprio. Eras pouco mais que um ser humano, se calhar nem tanto. Não desististe e combateste-te. Encontraste dentro de ti, restos de humanidade que te afastaram da demência. Viveste mais um dia. Mais um dia na tua luta contra tudo. Mais um dia na luta pelo amor.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Fragilidade

Não, eu não vou sucumbir à tua vontade... Por mais que me tentes incutir que os teus mandamentos são os correctos, que os teus desejos são a vontade de uma nação, eu dir-te-ei: "Eu sou um homem que é uma nação só por si".

Menosprezaste-me... Trataste-me como se nada fosse, enquanto me querias. Lamento, mas pensei que soubesses que não me podes conquistar rejeitando-me. Não me podes fazer correr atrás de ti, abandonando-me, pois eu trilho o meu próprio caminho.

Julgaste-me fraco como todos os outros que fazias prisioneiros no teu castelo de contos-de-fada recheado de medos e cobiças. Eu sou muito mais que os escanzelados esfomeados de amor que atrais para lá com promessas de um final feliz. Muito mais.

Sou tanto quanto tu, não menos... Talvez um pouco mais... Não, somos tão iguais quanto diferentes! Queremos o mesmo, de diferentes maneiras. Não faço intenção de trocar o céu pelo mar para ter amor. Tu, por outro lado, venderias o paraíso ao inferno por tal presente.

Lamento, no final da nossa história. No final, lamento o princípio. Não queria que um conto destes figurasse no meu livro, mas tu escreveste-o contra a minha vontade. Presumiste a minha fragilidade, assumindo-a como trunfo na tua manga. No final da nossa história, não te perdi, mas tu perdeste-me.