Quebram-se
na frágil memória recordações de um outro tempo. Existem batidas que deveria
sentir no meu peito mas, por capricho, nesses momentos o meu coração esquece-se
de pulsar. Perco horas que me caem do relógio para o chão e que se estilhaçam
em bocados infinitos de tempo. Apanho desse mesmo chão fragmentos de ideias e
sonhos que, apenas um pouco antes, fervilhavam dentro de mim e que agora são
somente minúsculos cadáveres. Procuro e procuro e procuro uma âncora que me
segure neste porto mas creio que há muito que este barco partiu. Peço um pouco
de silêncio ao vento que tenta consolar as lágrimas que se despenham a meus
pés. Deixo que os meus joelhos se verguem e embatam no solo duro e oco debaixo
de mim. Passo os dedos pelo chão, movido pelo desejo de sentir qualquer coisa.
Jogo-me, deito-me, procurando aquele contacto e numa tentativa de saber qual o
destino para mim reservado. Gostava de conhecer o futuro ao ler as tuas
palavras. Gostava de conhecer a minha sorte ao olhar as nuvens, e o sol, e o
céu. Embalo-me. Quero calar as perguntas, as dúvidas, as hesitações. Permito-me
navegar, sonhadoramente, pelos perfis que invejo. Hei-de encontrar confiança em
mim.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Viver Vedadeiramente
Puxo a
cadeira e sento-me. A mesa diante de mim encontra-se revestida com papéis.
Todos eles reflectem a minha caligrafia, por vezes mais organizada, quando estou
seguro daquilo que escrevo; outras vezes quase irreconhecível, quando sinto uma
ideia fugir e tento pregá-la ao papel antes que consiga escapar. São todos
pequenos fragmentos de mim, espalhados sobre aquela superfície regular e fria
de madeira. Expostos aos olhos de todos os curiosos. Estou exposto ao mundo.
Procuro,
naquela desorganização que reflecte completamente o corpo que as originou,
essência. Neste momento, cercado pela certeza da incerteza do meu núcleo,
preciso de uma prova física de quem realmente sou. Creio ter a certeza sobre a
possibilidade de me ter perdido algures naquelas linhas. Talvez não tenha sido
imediato, talvez me tenha vindo a deteriorar lentamente, derramando, junto da
tinta com que gravava aquelas palavras, um pouco de mim.
E
agora, mais do que nunca, necessito ficar completo. É imprescindível reunir
todos os bocadinhos de mim, guardados nesses papéis soltos e juntá-los à minha
alma. Para que possa reaprender todos os sentimentos que encarcerei nestes
fragmentos que tenho diante de mim. Só assim poderei voltar novamente a viver.
Viver verdadeiramente.
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013
Fragmento de Memória
Brilhante.
O sol resplandece com esplendor, num céu imaculado, sem qualquer nuvem no
horizonte. O vento sopra calmo e preguiçoso, despenteando-me o cabelo enquanto
caminho. Sinto o chão morno debaixo dos meus pés, aquecido pelos raios solares.
Está, definitivamente, um belo dia.
Decido
visitar um dos nossos lugares. Ainda hoje, tanto tempo depois da tua partida,
os sei. De cor. Desço pela rua e, mais à frente, avisto-o. Entro pelo portão oeste do jardim, aquele pelo
qual saímos num dos dias em que mergulhamos juntos na felicidade.
Tudo
permanece igual. E, ainda assim, vejo tudo de maneira tão diferente tão
diferente. As sombras das árvores, que anteriormente convidavam a ficar ao seu
abrigo, parecem-me demasiado frias. O festival colorido composto pelo mar de
flores que tudo embelezava é agora nada mais do que um bouquet gigantesco
deixado em nossa memória. E o silêncio, o silêncio da natureza, outrora a
música de fundo das nossas conversas, pesa-me sobre os ombros como notas dissonantes.
Tento
ignorar todas estas diferenças e imaginar que este ainda é aquele templo capaz
de preservar o nosso amor. Avisto o nosso banco, aquele onde nos sentávamos de
todas as vezes. Está vazio. Sento-me, fecho os olhos e permito-me recordar-te.
Lembro-me do teu sorriso quando estavas feliz, das tuas gargalhadas quando te
rias das minhas piadas. As tuas faces coradas, quando reuni coragem para te dar
a mão. A suavidade da tua pele quando entrelaçaste os teus dedos nos meus.
Está
tudo aqui, guardado neste jardim, guardado neste banco. Exposto e ainda assim
apenas acessível a mim. Levanto-me, sorrindo, e vou-me embora. Sei que este
fragmento de memória ficará bem guardado. Para que, sempre que o queira, poder
recordar-nos.
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