Puxo a
cadeira e sento-me. A mesa diante de mim encontra-se revestida com papéis.
Todos eles reflectem a minha caligrafia, por vezes mais organizada, quando estou
seguro daquilo que escrevo; outras vezes quase irreconhecível, quando sinto uma
ideia fugir e tento pregá-la ao papel antes que consiga escapar. São todos
pequenos fragmentos de mim, espalhados sobre aquela superfície regular e fria
de madeira. Expostos aos olhos de todos os curiosos. Estou exposto ao mundo.
Procuro,
naquela desorganização que reflecte completamente o corpo que as originou,
essência. Neste momento, cercado pela certeza da incerteza do meu núcleo,
preciso de uma prova física de quem realmente sou. Creio ter a certeza sobre a
possibilidade de me ter perdido algures naquelas linhas. Talvez não tenha sido
imediato, talvez me tenha vindo a deteriorar lentamente, derramando, junto da
tinta com que gravava aquelas palavras, um pouco de mim.
E
agora, mais do que nunca, necessito ficar completo. É imprescindível reunir
todos os bocadinhos de mim, guardados nesses papéis soltos e juntá-los à minha
alma. Para que possa reaprender todos os sentimentos que encarcerei nestes
fragmentos que tenho diante de mim. Só assim poderei voltar novamente a viver.
Viver verdadeiramente.