Foi num domingo. Lembro-me como se fosse ontem...
Estavas a passear-te pela mata, de cabeça baixa, pensando na tua vida. Arrastavas os pés, derrotado, enquanto combatias os pensamentos que tentavam desmoronar-te. Não tinhas ninguém ao teu lado e era isso que mais te custava. Olhavas para a direita, e não vias ninguém. O resultado do teu olhar sobre a esquerda era exactamente o mesmo. E quanto mais te apercebias da tua solidão, mais te enterravas em ti mesmo, sofrendo como se te torcessem o coração e to arrancassem.
Dois dias antes, tinhas feito um acto digno de ser categorizado como 'demente'. Afogado na mágoa da tua solidão, privaste-te do teu coração e puseste-o à janela. Querias tanto, mas tanto que alguém reparasse nele e se apaixonasse, ou pelo menos que tivesse compaixão, que ele manteve-se activo, batendo freneticamente, mesmo sem o teu sangue a irrigá-lo. Impressionante mesmo. Contudo, a tua tentativa de promoção do teu amor foi um total fracasso e lá tiveste de o coser novamente ao peito, sem nenhum outro para se lhe juntar.
As memórias atormentavam-te e faziam-te desejar desaparecer. Apareciam escritas nos troncos das árvores pelas quais ias passando, como fantasmas do passado que juraram assombrar-te até o amor se dignar a habitar-te. Deixavam-te num ponto em que desejavas enlouquecer, apenas perder a cabeça e deixar para trás todas as complexas teias do amor. Contudo, era-te impossível enlouqueceres. Estavas demasiado consciente, demasiado lúcido para perderes noção das barreiras, dos limites que a tua mentalidade impunha.
No meio da mata, eras um homem abandonado. Sozinho, não como uma ilha num mar gigantesco, mas sim como um planeta sem galáxia, numa extremidade esquecida do universo. Rejeitado pela ignorância dos outros e ainda mais distante pelo teu conforto. No entanto, no meio daquela mata, achaste-te a ti próprio. Eras pouco mais que um ser humano, se calhar nem tanto. Não desististe e combateste-te. Encontraste dentro de ti, restos de humanidade que te afastaram da demência. Viveste mais um dia. Mais um dia na tua luta contra tudo. Mais um dia na luta pelo amor.
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