sexta-feira, 24 de junho de 2011

Sonho de Criança




Ouvi e tremi. Sabia que era apenas uma história, mas não pude evitar que um tremor se espalhasse pelo meu corpo ao reparar nas semelhanças com a minha realidade. Este conto sussurrado parecia nada mais do que a nossa história.

Falava de um rapaz. Era novo e ingénuo. Vivia sozinho, numa casa no meio de uma floresta. Não havia ninguém por perto e o sua única amiga era a sua sombra. Não conhecera mais ninguém igual ou semelhante ao reflexo que via todos os dias no espelho do seu quarto. Ainda assim, o rapaz era feliz na sua solidão.

Certo dia, enquanto colhia, das árvores mais altas, os frutos para o seu jantar, aproximou-se algo dele. Era semelhante a si, se bem que tinha os olhos de outra cor e usava o cabelo mais comprido. Vinha com um ar hesitante no rosto, mas com um sorriso desenhado nos seus lábios. O rapaz, apanhado de surpresa, deixou cair o seu cesto, e fugiu para dentro da sua casa, e jurou não sair enquanto a rapariga lá estivesse. Ele temia-a.

Só que os dias passaram, e ela não se afastava da casa do rapaz. Por vezes, impaciente, batia na porta e nas janelas, pedindo que saísse ou que a deixasse entrar. Mas ele não queria. Estava tão bem na sua solidão acompanhada da sua sombra que não precisava da companhia dela.

Apenas anos depois, a rapariga desistiu, e somente porque foi apanhada pela morte. Estava fraca, de tanto aguardar pelo rapaz, que acabou definhando. E assim, o rapaz, que já era homem, pôde voltar à sua vida normal, sem ninguém a lhe perturbar. Só ele e a sua sombra. Outra vez.

Quando a ouvi, identifiquei-te mais com ela do que eu com ele. E pensei: "Ainda bem que ela não demorou tanto tempo!" É um prazer ver-me livre dessa maldição. É o meu sonho de criança, viver sem ti.

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