Ele: Hoje, o vento sibilou-me ao ouvido, tal serpente venenosa, transportador de maus agoiros, que a tua partida finalmente tinha chegado. Eu encolhi-me sobre as suas carícias, tentando aconchegar o meu coração que chorava desconsoladamente, agredido pela brisa violenta das novidades trazidas. Contudo, apesar das minhas tentativas de consolo, o insensato órgão recusava-se a aceitar o que há muito fora escrito nas ténues folhas do destino. Canalizei-lhe a minha fragilizada esperança, sensação que, no entanto, não restava em qualquer parte de mim.
Ela: Senti-me demasiadas vezes neste papel branco e nesta caneta que teima em não escrever. Faltam-me os termos e sobretudo a coragem mas partir é inevitável. Prendo-me no desejo de revelar-te que o faço por ser imperativo e não uma vontade, mas temo que magoe demasiado a tua força interior. Quedo-me no silêncio, esperando, ainda que receosa, que um dia possa explicar-te, sem vírgulas ou pontos finais, os motivos destes meus devaneios.
Ele: Suspiro, enquanto deixo os meus joelhos se vergarem e me ajoelho diante da tua fuga, enterrando as mágoas e as mazelas que me deixas como lembretes de uma outrora presença tua na minha vida e no meu coração. A questão que me dilacera permanecerá por responder porque preferiste fugir a enfrentar as minhas interrogações. E eu só quero saber o porquê. Porque me deixas aqui, neste mirador de penitências desolado enquanto trilhas um caminho para longe, levando o que de mais precioso possuía: o nosso amor?
Ela: Empenhada em manter-me intacta nesta demanda por outros ares que não envolvam o teu aroma inebriante, calo os sentimentos que insistem em fincar-me os pés ao solo para que não me possa evadir deste sitio e deste amor. Revoltada por ter de lutar arduamente contra tudo o que me tenta prender a ti, ergo forças sobre-humanas e peço aos ventos que não arrastem as minhas tentativas de te escapar. Prefiro ainda, que acredites por agora, que nunca houve um grama de amor por ti neste supérfluo coração.
Ele: E enquanto deixo as lágrimas, das quais me envergonho, rolarem pela minha face, desenho, de olhos fechados, o teu rosto no solo árido. Ainda agora partiste e o meu coração já se fragmentou até se tornar numa nuvem invisível de átomos flutuantes, corroído pela saudade. E quando me forço a ver o teu retracto no chão, o pânico que tentava conter dilacera-me e uma onda de consciência arrebata-me, e eu finalmente admito que te perdi. Jogo o corpo inútil no chão e digno a prestar um funeral digno ao nosso amor. Sem ti, morri.
Ela: O que me dilacera verdadeiramente a alma não é a partida mas sim saber que vais ficar. E a forma como te deixo. Sem um Adeus, sem uma justificação, sem um último beijo. Todavia, creio conhecer-te cada recanto d'alma e cada sentir e sei assim que irás resistir á saudade quando esta tentar roubar-te as memórias da nossa História. Embala-nos nesta ausência enquanto o teu cerne o permitir e protege dentro de ti tudo o que um dia significámos enquanto fomos um do outro. Prometo-te, ainda que nas asas do silêncio, um dia poder ser a metade que te falta agora e reconstruir cada fragmento que causarei com este súbito e incompreendido abandono.
1 comentário:
Excelente diálogo. Frases magníficas.
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