domingo, 30 de outubro de 2011

Cemitério dos Amores Perdidos


É final de tarde e um véu negro cobre o céu de nuvens opacas, que matam os raios solares que tentam banhar-me. Um vento forte e frio fustiga-me o corpo, lançando rajadas tremendas, tentando abalroar-me. O solo está coberto de lama fresca, tão húmida e mole que os meus pés se enterram lentamente, imobilizando-me enquanto olho em volta, descrente.

Uma árvore despida prende-me a atenção. Os seus ramos encarquilhados e esguios estendem-se, dobrados, em direcção ao chão. Encontra-se completamente vergada, mas não partida, como que obrigada a fazer uma vénia a alguém esquecido e ausente. Toda aquela imagem macabra envia arrepios pelo meu corpo, à medida que os meus pés se afundam continuamente na lama, que já me dá pelos joelhos.

Mais à frente, onde a neblina espessa e branca começa a rarear, surgem, uma por uma, figuras sinistras indistintas que não passam de vultos a esta distância. Com esforço, tento arrastar-me até mais perto, porque aquelas sombras parecem chamar por mim. Rastejo, literalmente, pela lama que se cola a mim e me torna pesado, com grande custo. E quando estou tão próximo de uma das ditas sombras que me bastaria estender o braço para lhe tocar, é que me apercebo do que são.

Lápides. São pedras tumulares que se estendem por um infindável terreno lamacento, abandonado algures entre o nevoeiro. Contudo não são lápides normais. São monumentos em honra dos amores perdidos. Erguem-se do solo lamacento, permanecendo erectas contra todas as agressões da natureza, apenas por honra do amor. Têm palavras gravadas nas suas faces, memórias de paixões quebradas deixadas para serem recordadas posteriormente.  

E eu rendo-me. Deixo o meu coração cair-me do peito e envolver-se na lama. Segundos depois, uma lápide levanta-se do solo, negra como o fundo da solidão. E nela, tem gravada as palavras que eternizarão o amor nosso perdido.

sábado, 29 de outubro de 2011

Só Ninguém Sabe



É de manhã e o sol desperta-me com carícias de luz que, apesar de serem suaves e doces, quase não conseguem tirar-me a vontade de ficar entre os lençóis. Tenho medo de enfrentar mais um dia, medo de deixar o abrigo que a cama me proporciona. Além disso é quando estou deitado aqui que me sinto mais perto de ti. É neste quarto que tenho as melhores recordações de nós, de quando ainda podia enlaçar a minha mão na tua.

A contragosto ergo-me, mantendo os lençóis encostados a mim, numa tentativa de captar ainda o teu cheiro, mesmo tendo tu partido há tanto tempo atrás. Sabes, eu nunca os lavei. Nunca os tirei da minha cama. Sempre os quis comigo, pois deitar-me com eles seria o mesmo que deitar-me contigo. Ser aquecido por eles era quase o mesmo que sentir o calor do teu corpo contra o meu. Quase desejei que estes lençóis me pudessem amar da mesma forma que tu me amavas.

A tua partida deixou o meu quarto transfigurado. É quase como se tivesse sido cometido um homicídio no seu interior e todo ele me culpasse. A maneira acusadora como as paredes me olham soltando impropérios, responsabilizando-me por teres ido embora. A luz que não se acende, protestando, recusando-se a iluminar um quarto sem o teu amor. Tudo isto é culpa é culpa minha.

E ainda hoje eu faço-me de forte. Faço de conta de que nada disto me afecta. Esta mania que o homem tem de ser superior a todos os assuntos do coração rege-me e eu deixo. Sabes porquê? Porque só ninguém sabe que eu sinto a tua falta. E só ninguém saberá.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A Arte de Bem Morrer


Primeiro, o tempo pára. Literalmente. E começas a ser invadido por uma sensação de calma que te deixa completamente paralisado. É como se, instantaneamente, todo o mundo se estagnasse e o teu corpo refreasse. E então, lentamente, o teu coração palpita gentilmente. E, num crescendo acelerado, ele passa a um estado de vibração tresloucado que não te deixa respirar. O teu fôlego é-te arrancado sem misericórdia e arregalas os olhos, surpreso. Continuas estático, sem conseguires pensar em mais nada a não ser numa maneira de pores oxigénio a correr nas tuas veias o quanto antes. Por esta altura passou-se um segundo que te soube a horas. E mais ou menos agora pensas em desistir, pensas que por mais que te esforces não voltas a respirar. E é então que acontece. Sugas uma lufada de ar pelos lábios secos que te abala e faz com que os joelhos te cedam e te atirem ao chão. Uma dor alastra-se no teu peito com epicentro no teu miocárdio. Levas lá uma mão em forma de garra, tentando conter o sofrimento que te tortura. E, desalmadamente aspiras ar, apenas para morreres mais depressa, Tão depressa como começou, termina. O coração solta um gemido inaudível e cessa. Dás por ti deitado de barriga, com a mão que apertavas o peito esborrachada debaixo de ti. Nesta altura sabes que é o fim, Tens dois rios de lágrimas soltas a marcarem o teu rosto que tem uma expressão petrificada. Todo o teu corpo está dormente, como se te tivesse sido aplicada uma anestesia geral. E pensas para ti que afinal, morrer não dói. Sabes que não deves resistir pois por mais forte que te faças maior será a tua tortura. Lembras-te dos bons momentos que passaste, das pessoas de quem vais sentir saudades e das coisas que não poderás voltar a fazer. A tua mente inicia um devaneio, fazendo-te passar pela cabeça imagens de anjos a cantarem, Não te resta muito. Tentas colocar um sorriso para fingires que tiveste uma partida pacífica mas desenhas, em vez, um esgar. E acabou. Tudo o que resta de ti é o corpo inerte e mole que deixaste para trás, quando te extinguiste. Morreste.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Coração Selvagem



Sempre me jurei que daria o meu coração ao vento. Perdi a conta das juras que fiz em noites de luar brilhante e estrelas faiscantes, prometendo à brisa que, um dia, o entregaria. Contudo já perdi a conta de quantos sóis vi nascer diante dos meus olhos. De quantos ciclos lunares me dei ao luxo de contemplar. Ele continua alojado dentro de mim, teimosamente batendo, desafiando o vento por mais um dia.

Se eu te contasse as vezes que ele já foi remendado… Já o desafiei por inúmeras vezes, fazendo-o viver as paixões mais ardentes e os ódios mais gélidos. Mas ele nunca se rendeu, aceitando com batimentos acelerados todas as adversidades. E de todas as vezes que parecia desistir, quando eu estava prestes a morrer de vitória, ele recomeçava, com pulsares tímidos a vida ao meu cadáver.

No final, sei que será uma questão de tempo até domar este meu coração selvagem. Por mais crimes e atentados que ele cometa, serei um dia eu quem irá sorrir. E, enquanto ele morrer no meu peito, hei-de o entregar ao vento, tal como as minhas palavras haviam jurado na era em que o amor me abandonara.

domingo, 16 de outubro de 2011

Memóriações



Lembras-te? Tivemos noites em que a noite se calou para nos escutar, para ouvir as palavras de papel que expelíamos pelos nossos lábios. E das estrelas, recordas-te? Ainda há em ti memória de como elas pareciam desvanecer e misturarem-se com o céu negro de cada vez que os nossos corpos passavam o limite do coração e se uniam, por insignificantes horas?

Se te esqueceste, deixaste morrer o que de mais valioso tenho. De toda a vez em que as repetições diárias do exemplo do que é uma vida se interrompem em mim, é nessas lembranças que eu mergulho e me banho. É nelas que eu procuro a paz que outrora me habitava. É nelas que encontro novamente o sabor dos teus beijos e a textura da tua pele.

E, prometo-te com todas carícias que trocámos que hei-de recordar-me até estarmos juntos novamente…

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Blame it on the Alcohol

São dois quintos da minha vida e o pulsar da noite faz-se sentir na minha pele, irrigada por este luar de prata que me recorda, ligeiramente, de uma presença também ligeira de alguém que, um dia talvez, tenha habitado o meu coração. E sinto-me acolhido nos braços das estrelas que salpicam o negro do céu que nada dá a quem nada tem, esse céu egoísta que até das lágrimas nos priva.

São horas que passam e que eu não sinto passar, enquanto as fracções da minha vida se encurtam, tão lentamente quanto o tempo, e eu envelheço perdido em memórias. Ó passado tão tentador, se fosses presente haveria futuro dito promissor, mas não: és passado maldito que atormentas quem tudo teve e sofre por já não ter. E ris-te, porque és filho do tempo que te pariu, passado odiado!

São loucuras temporariamente permanentes que me assaltam e levam de mim a sanidade que explodiu em mil partículas com a partida do vento que varria o meu deserto. Já não há amenizador que acuda um pobre mendigo abandonado à crueldade da vida a suportar a solidão que se alimenta de sombras e saudades. E sinto-me tão inócuo que seria capaz de levitar e me juntar a ti, onde quer que estejas, não fossem estas trevas que me acorrentam ao solo.

São quatro sétimos da minha vida e ainda sinto a magia do veneno que circula dentro de mim. Que se deitem as culpas ao álcool que habita nas minhas veias e que o incendeiem junto comigo quando ele deixar de correr, pois sóbrio não quero ser existência. As cinzas que restarem daquilo que eu um dia fui, que se espalhem por sóis amenos e que se faça luz e calor, para que aqueles que nunca tiveram o que eu nunca tive, o possam ter. Que eu seja um catalisador de felicidade, nunca tendo sido feliz.

São nove nonos da minha vida e é tempo de eu partir de mim.

domingo, 2 de outubro de 2011

Campo de Batalha


Perdemos. Admitamos a derrota como adultos que nunca fomos. Púnhamos sorrisos de enfeite nos nossos rostos enquanto acenamos ao mesmo tempo a bandeira branca da rendição.  Fomos guerreiros suicidas nesta batalha inglória. Resta-nos regressar às nossas casas, separados, curar as feridas que em nós ficaram marcadas e que, com certeza, serão as cicatrizes de guerra que mais amaremos.

Será luz que eu vejo ao retornar? Pensei estar tão errado na nossa rendição. Afinal, desistir da batalha que enfrentávamos era sinónimo de desistir de ti. E no entanto, também a tua mão se juntou à minha, erguendo o mastro que sustentava o pano com a cor da paz. Mas estaremos nós nesse estado inatingível? Reformulo: estaremos nós em paz, estando os nossos corações separados?

Queria perder as memórias que ganhei no campo de batalha. Queria perdê-las como este riacho que corre junto aos meus pés perde a lembrança das pedras que beija na sua passagem. No entanto, sou tão teimoso quanto as pedras deste riacho: ambos mantemos as memórias dessa passagem. Afinal, como podia eu abandonar tais memórias? Nem o mais vil e cobarde dos seres esquece o amor…

Cada palavra sussurrada ao meu ouvido. Sabes a que me soava? Soava-me a um coro composto por fadas, entoando um canto mágico, que me deixava completamente hipnotizado, extasiando-me ao ponto de desejar que tais palavras nunca cessassem. E ainda assim, tal era sensação era ultrapassada quando comparada com as memórias das trocas de calor dos nossos corpos.

Mas já nada disto me pertence. Fui feliz contigo, mesmo nunca te tendo realmente, pois as bombas que mergulhavam do céu e as minas que se escondiam no solo mantinham-nos apartados. Contudo, sempre fomos duas fracções opostas que lutavam por um objectivo comum: o nosso amor. No final, o relatório desta guerra tinha, carimbado a vermelho, em letras bem grandes, “missão falhada”…