domingo, 18 de dezembro de 2011

Enlaçados


Ergo a cabeça do teu ombro e sorvo o ar por entre os dentes. O meu corpo arrepia-se com o conforto que o oxigénio trás, pois cada gole é uma necessidade da qual eu estou quase privado. Tudo porque estes laços me apertam o peito.

São extenuantes estes laços que me cobrem o corpo e que me enlaçam em todo o mundo. Alguns, de cor verde, são firmes e apenas me restringem suavemente os movimentos. Outros, de cor azul, são folgados e apenas se sentem pelo peso que me faz vergar. Os piores, de cor vermelha, espremem-me o corpo, retirando qualquer energia que me reste.

Contudo, insuportável é este laço que me une a ti. A sua cor é variável e a sua extensão indeterminável. Apenas sei que as suas duas pontas unem-se num intricado nó, no meu coração. E nada posso fazer, dominado pela vontade desta grilheta, que me comanda.

E eu tanto queria ter a opção de me libertar desta maldição que carrego. Poder estender os meus dedos e puxar por uma das pontas do nó. Observar enquanto a tira se solta e ondula até ao chão. Esse seria o sabor da liberdade.

Um dia, num devaneio, removerei o meu coração e desapertarei o nó que o envolve e o conecta a ti. Aquando da tua partida. Essa será a data da minha condenação e libertação. Até lá, vivo com o nosso laço.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Apoio



O mundo treme. A visão desfoca-se. Sentes-te perdido e desorientado. Dás um passo inseguro. Cais e esfolas-te. Cai uma lágrima. Caem duas. A dor é muita. O coração está frágil. O fôlego falta. O ar é escasso. Pedes ajuda. Uma prece silenciosa. Ninguém responde. O silêncio envolve-te. Sentes-te abandonado. O corpo esmorece. O frio chega. Estás paralisado. A tua sombra foge. Fechas os olhos. Controlas a respiração. Parece-te o fim. Preparas-te. Amoleces a alma. Corres de ti próprio. Surge uma mão. Segura-te o ombro. Outra levanta-te a cabeça. Um braço rodeia-te a cintura. Dedos rodeiam-te. O calor envolve-te. Voltas a ti. Já não queres partir. Chegou o teu apoio.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

E Nunca a Noite Foi Tão Fria



São horas do dia partir e o Sol põe-se por detrás da linha do horizonte, escondendo-se rapidamente para que a Lua não o alcance com o olhar. O manto negro começa a cobrir o céu, enfeitado de estrelas que, nesta noite precária e frágil, parecem ter um brilho baço. Até o vento, que normalmente é atrevido e ruidoso, hoje permanece quieto, brincando apenas com as folhas que decoram o passeio.

E, nesta noite em que tudo parece errado e deslocado, tu faltas-me. A tua ausência faz-se notar na minha cama, que está desabitada. Eu não me atrevo a nela deitar-me, pois seria como mergulhar num poço de recordações que, pela sua intensidade, me deixaria sem respirar. Então, aprecio a cama vazia, em honra das noites em que passámos horas abraçados, a sonhar um com o outro.

Um arrepio de frio desce-me pela coluna, assim que recordo do quão reconfortante era o calor do teu corpo. Lembro-me de como era extasiante sentir a tua pele pressionada contra cada centímetro do meu corpo; de como era divinal deixar os nossos lábios serem livres para percorrer os trilhos proibidos, aqueles que nos deixavam em delírio.

No entanto, tudo isso acabou numa fria noite de Dezembro. Eu disse-te palavras pequenas de mais para a minha boca e grandes demais para o teu coração e tu, fraquejaste e partiste. Deixaste-me num estado de dormência, sem qualquer reacção a não ser sentir a tua falta. E nunca a noite foi tão fria como é agora que estou sem ti.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Fractura de Um Amor Condenado



[Ele: Rio de Sentimentos; Ela: Madrugada Cruel]

Ele: Hoje, o vento sibilou-me ao ouvido, tal serpente venenosa, transportador de maus agoiros, que a tua partida finalmente tinha chegado. Eu encolhi-me sobre as suas carícias, tentando aconchegar o meu coração que chorava desconsoladamente, agredido pela brisa violenta das novidades trazidas. Contudo, apesar das minhas tentativas de consolo, o insensato órgão recusava-se a aceitar o que há muito fora escrito nas ténues folhas do destino. Canalizei-lhe a minha fragilizada esperança, sensação que, no entanto, não restava em qualquer parte de mim.

Ela: Senti-me demasiadas vezes neste papel branco e nesta caneta que teima em não escrever. Faltam-me os termos e sobretudo a coragem mas partir é inevitável. Prendo-me no desejo de revelar-te que o faço por ser imperativo e não uma vontade, mas temo que magoe demasiado a tua força interior. Quedo-me no silêncio, esperando, ainda que receosa, que um dia possa explicar-te, sem vírgulas ou pontos finais, os motivos destes meus devaneios.

Ele: Suspiro, enquanto deixo os meus joelhos se vergarem e me ajoelho diante da tua fuga, enterrando as mágoas e as mazelas que me deixas como lembretes de uma outrora presença tua na minha vida e no meu coração. A questão que me dilacera permanecerá por responder porque preferiste fugir a enfrentar as minhas interrogações. E eu só quero saber o porquê. Porque me deixas aqui, neste mirador de penitências desolado enquanto trilhas um caminho para longe, levando o que de mais precioso possuía: o nosso amor?

Ela: Empenhada em manter-me intacta nesta demanda por outros ares que não envolvam o teu aroma inebriante, calo os sentimentos que insistem em fincar-me os pés ao solo para que não me possa evadir deste sitio e deste amor. Revoltada por ter de lutar arduamente contra tudo o que me tenta prender a ti, ergo forças sobre-humanas e peço aos ventos que não arrastem as minhas tentativas de te escapar. Prefiro ainda, que acredites por agora, que nunca houve um grama de amor por ti neste supérfluo coração.

Ele: E enquanto deixo as lágrimas, das quais me envergonho, rolarem pela minha face, desenho, de olhos fechados, o teu rosto no solo árido. Ainda agora partiste e o meu coração já se fragmentou até se tornar numa nuvem invisível de átomos flutuantes, corroído pela saudade. E quando me forço a ver o teu retracto no chão, o pânico que tentava conter dilacera-me e uma onda de consciência arrebata-me, e eu finalmente admito que te perdi. Jogo o corpo inútil no chão e digno a prestar um funeral digno ao nosso amor. Sem ti, morri.

Ela: O que me dilacera verdadeiramente a alma não é a partida mas sim saber que vais ficar. E a forma como te deixo. Sem um Adeus, sem uma justificação, sem um último beijo. Todavia, creio conhecer-te cada recanto d'alma e cada sentir e sei assim que irás resistir á saudade quando esta tentar roubar-te as memórias da nossa História. Embala-nos nesta ausência enquanto o teu cerne o permitir e protege dentro de ti tudo o que um dia significámos enquanto fomos um do outro. Prometo-te, ainda que nas asas do silêncio, um dia poder ser a metade que te falta agora e reconstruir cada fragmento que causarei com este súbito e incompreendido abandono.

 [Ele: Rio de Sentimentos; Ela: Madrugada Cruel]


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Que o Rumor nos Abençoe



         Abre os olhos. Ele é apenas mais um estranho nos teus braços. Tentas enganar o teu corpo, juntando o calor dele a ti mas, na verdade, o teu corpo reconhece-me e rejeita o calor desconhecido. Por mais tentativas que faças de te consolar no aperto dele, nunca ficarás satisfeita na totalidade, porque nós temos uma história e ele nunca será eu.

         Passeias o teu olhar e os teus dedos delicados pelo corpo perfeito dele. Sei que ele é um regalo para ti. No entanto, todo esse cenário parece uma mentira descarada aos meus olhos. Sabes que lá no fundo, desejavas que ele, simplesmente, fosse outra pessoa.

         Nesta encruzilhada sem destino, pede à tua alma que te guie. Perdeste-te no caminho do pecado e agora afundas-te com a culpa que te verga. Pensas que me fazes ciúmes com amores carnais mas és tu que morres por dentro com os meus sorrisos sem ti.

         E com tamanho esforço, de fingida paixão, tentaste derreter-me o coração. Mas com tão fraca labareda, não conseguiste destruir a camada de gelo que o rodeia. E perdeste-te nos rumores de paixões ébrias de inveja e amores perdidos em dias de loucura. E, no final, eu peço a bênção a esses mesmos rumores.

sábado, 26 de novembro de 2011

Não Cobiçar as Coisas Alheias



Baixo o olhar com pesar. Tenho medo de contemplar os nossos rostos felizes naquele quadro eternizado. Naquele tempo, eu conseguia segurar na boca um sorriso. Hoje em dia, é-me impensável tal feito. E sinto tanto a falta de o poder fazer. Gostava de me relembrar como é que o fazia, pois creio que me roubaste o conhecimento dessa arte quando partiste.

E não foram somente os sorrisos que me tomaste. Tudo o que era felicidade, tudo o que me inundava com esses sentimentos, pura e simplesmente desapareceu. Levanto-me e jogo no jardim, nas rosas brancas que tu plantaste e que agora murcham, as boas recordações que tinha de nós. Agora que sei que não sou merecedor de tais preciosidades porque, se o fosse, ainda estarias a meu lado, fabricando mais desses tesouros.

Cerro os olhos. E, contra a minha vontade, imagino-te nos braços dele. A consciência sussurra-me que não devo cobiçar as coisas alheias. No entanto, ignoro tal conselho. São regras de um jogo que eu me recuso a jogar, por descrença. E, afinal, que Homem pode não invejar a perfeição?

domingo, 20 de novembro de 2011

Inferno - Não Olhes Para Trás



Antes de mais, não te esqueças da tua promessa. Eu vou lembrar-me, até porque o nosso amor dela depende. Por favor, cumpre a tua palavra, eu não quero voltar ao Inferno de onde me estás a salvar. Confia em mim desta vez e verás que não te arrependes. Imploro-te. Façamos o prometido e tudo irá nos correr de feição de agora em diante. De tudo o que possas fazer, apenas não olhes para trás.

Todo o meu corpo treme com violência, não por causa do frio inexistente, pois as paredes estão forradas de fogo violento, mas por estar completamente aterrorizado. Sinto-me tão incapaz. O meu papel, neste momento, cinge-se a colocar um pé à frente do outro, num ritmo constante, e seguir-te para fora daqui. Tenho a cabeça baixa e vejo o rasto que os meus pés deixam na areia incandescente, pegadas que espero não rever.

Vejo-te, depois de tanto tempo trancado nesta cave infernal. Mesmo de costas, a visão é suficiente para me deixar de lágrimas nos olhos. Mas não posso mostrar parte fraca neste momento ou os demónios não me pouparão. Tenho que ser forte por ambos. Então fungo, para impedir as lágrimas de se despenharem naquele solo amaldiçoado. E, quando ouves a minha fungadela, dás um passo mais hesitante e o meu coração parece parar.

Não te posso dizer para não parares, para continuares porque está tudo bem, porque o Diabo é esperto e selou-me os lábios para que não te possa ajudar. E isso só faz com que eu me sinta ainda mais inútil, ainda menos merecedor do teu amor. Quem sou eu para merecer que arrisques a tua alma a uma eternidade infernal se errarmos aqui? Que direito tenho eu, de te condenar só porque simplesmente me amas?

Então finco os meus pés com mais vontade no solo, fazendo barulho, numa tentativa de te incentivar a continuares e a não olhares para trás. Mas vejo nos teus ombros tensos e nos teus passos cada vez mais inseguros que estás prestes a ceder. Que não vais conseguir continuar com a marcha da salvação. E é quando tu cessas que eu sei que é o nosso fim. Deixo finalmente as lágrimas verterem e percorrerem o meu rosto e, quando vejo a tua bela face, aquela que sempre hei-de recordar, sou consumido pelas chamas com um sorriso no rosto.

Eu não te culpo. Como poderia eu se foste tu a alma corajosa que teve a audácia de se enfiar no Inferno para me salvar? Fizeste o teu melhor e estou-te eternamente agradecido. Apenas me destroça saber que arderás no infinito breve junto a mim. Mas, mesmo aqui em baixo, privado de tudo o que me é mais importante, ou seja, privado de ti, sei que o meu amor perdurará. Amo-te.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Bloqueio


Palavras, porque me faltam agora? Necessito verbalizar um pensamento. Estou a perder o momento. Então porque não surgem? Porque estão abrigadas em algum sítio longe do meu alcance. Preciso de vocês. É obrigatória a vossa comparência.  Sinto-me oco e incompleto, abandonado. Fui esvaziado e não sei como reagir porque não vos possuo. E fico parado no tempo. Paralisado. Completamente atordoado por não vos ter. E sinto-me a afundar por causa deste bloqueio. Voltem a mim. Não me deixem ficar aqui. Por favor.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Verdades



Há dias em que ouvir a verdade não é suficiente. Dias em que desejo escutar algo mais que as palavras de sempre, ditas no tom usual e proferidas pela mesma voz. Dias em que uma mentira me deixaria completamente satisfeito. Hoje seria um desses dias.
Estava abandonado num recanto da cama, escondendo o corpo debaixo dos lençóis, Empunhava um livro que não lia, que apenas servia de disfarce para te poder observar pelo canto do olho. Tu estavas inatingível, embrulhada em pensamentos incógnitos, o tipo de pensamentos pelos quais eu daria tudo para os saber.
Desviei o olhar de ti por uns momentos para contemplar o dia chuvoso que se desenhava lá fora. O barulho constante das gotas a embaterem no solo era o único calmante acessível no momento. Deitei um olhar nervoso ao relógio, cujo tique-taque me enlouquecia.
Ergueste-te, deixando no sofá o teu calor, que parecia desaparecer rapidamente nesta sala fria. Eu próprio fui percorrido por um arrepio, recordando todas as verdades que não eram mentiras que proferiste. Pegaste na mala e partiste porta fora. Para sempre.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Propriedades de um Fogo

Parte 1- Sem Fogo



Está a entardecer e começo a sentir como se fosse já demasiado tarde para mim. Vejo o Sol esconder-se atrás de umas cinzentas nuvens evitando, também ele, confrontar-me. Aqui, no meio deste cenário desolado que me cerca, deixo escorrer por entre os dedos os últimos grãos de esperança que me restam.
O vento vem sussurrar-me ao ouvido as palavras que eu já decorei e compreendi mil vezes. Ainda assim, ao escutar o sussurro mesquinho do vento, o meu coração parte-se em mais mil pedaços, ficando de tal forma despedaçado que tenho a certeza de que seria impossível repará-lo.
As nuvens cinzentas decidem então juntar-se à celebração da minha desistência e soltam, sobre mim, grossas e pesadas gotas de chuva que me recordam as lágrimas anteriormente derramadas. E, enquanto as sinto banhar-me, solto também eu lágrimas, deixando-me cair de joelhos sobre a lama.
E está tão frio. No meio desta tempestade de céu negro, vento sussurrante e chuva, eu tremo, pois já não tenho o meu fogo para me aquecer. Perdi-te.

Parte 2 - Com Fogo



Pousei o álbum em cima da mesinha de madeira e olhei em  frente, pensativo. Sentia tanto a tua falta que toda ela se estendia pelo meu peito, dilacerando-me a carne, como uma ferida aberta e exposta, que me deixava em chamas.
Voltei a puxar o álbum para o meu colo e folheei-o desenfreadamente, procurando por uma foto em particular. Quando a encontrei, não pude evitar que um sorriso se apoderasse dos meus lábios.
Pensei que a tinha perdido. Contudo a felicidade estava guardada naquela foto. O brilho dos nossos olhos, o sorriso nos nossos lábios... Simplesmente a expressão de bem-estar nos nossos rostos. Era tudo o que precisava.
Levantei-me e fui até à lareira onde as chamas crepitavam com entusiasmo. E, com todo o cuidado, colhi uma labareda e encostei-a ao peito. A ferida cicatrizou imediatamente. O meu fogo regressou.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

I Lost Love, in a Hopeless Place



I quit. Let me speak and tell the winds that I no longer want life living inside of me. Let me see the star’s shine one last time before I close my eyes for eternity and watch only darkness. Let me just taste the air that I breathe for this time, because after this I will no longer be breathing.

I’ve lost the thing I loved the most. Do you know how it is to live without hope? To live on a base of shattered dreams and unfulfilled promises? You just stare at the watch, seeing the hours pass and you feel your heart dying inside your chest. And there’s nothing, nothing you can do unless dying with your heart.

You crawl, slowly, to a hidden and dark corner, hoping, with any hope, that death doesn’t come too late. Because, if she does, you will die slower and the pain will consume you before the death does. You close your eyes and tears run from you, because they don’t want to be found in a corpse.

And you left yourself in that corner, because you don’t want to live with you no longer. Just because you’ve lost love in a hopeless place and, having it back is a lovely hopeless thought. 

domingo, 30 de outubro de 2011

Cemitério dos Amores Perdidos


É final de tarde e um véu negro cobre o céu de nuvens opacas, que matam os raios solares que tentam banhar-me. Um vento forte e frio fustiga-me o corpo, lançando rajadas tremendas, tentando abalroar-me. O solo está coberto de lama fresca, tão húmida e mole que os meus pés se enterram lentamente, imobilizando-me enquanto olho em volta, descrente.

Uma árvore despida prende-me a atenção. Os seus ramos encarquilhados e esguios estendem-se, dobrados, em direcção ao chão. Encontra-se completamente vergada, mas não partida, como que obrigada a fazer uma vénia a alguém esquecido e ausente. Toda aquela imagem macabra envia arrepios pelo meu corpo, à medida que os meus pés se afundam continuamente na lama, que já me dá pelos joelhos.

Mais à frente, onde a neblina espessa e branca começa a rarear, surgem, uma por uma, figuras sinistras indistintas que não passam de vultos a esta distância. Com esforço, tento arrastar-me até mais perto, porque aquelas sombras parecem chamar por mim. Rastejo, literalmente, pela lama que se cola a mim e me torna pesado, com grande custo. E quando estou tão próximo de uma das ditas sombras que me bastaria estender o braço para lhe tocar, é que me apercebo do que são.

Lápides. São pedras tumulares que se estendem por um infindável terreno lamacento, abandonado algures entre o nevoeiro. Contudo não são lápides normais. São monumentos em honra dos amores perdidos. Erguem-se do solo lamacento, permanecendo erectas contra todas as agressões da natureza, apenas por honra do amor. Têm palavras gravadas nas suas faces, memórias de paixões quebradas deixadas para serem recordadas posteriormente.  

E eu rendo-me. Deixo o meu coração cair-me do peito e envolver-se na lama. Segundos depois, uma lápide levanta-se do solo, negra como o fundo da solidão. E nela, tem gravada as palavras que eternizarão o amor nosso perdido.

sábado, 29 de outubro de 2011

Só Ninguém Sabe



É de manhã e o sol desperta-me com carícias de luz que, apesar de serem suaves e doces, quase não conseguem tirar-me a vontade de ficar entre os lençóis. Tenho medo de enfrentar mais um dia, medo de deixar o abrigo que a cama me proporciona. Além disso é quando estou deitado aqui que me sinto mais perto de ti. É neste quarto que tenho as melhores recordações de nós, de quando ainda podia enlaçar a minha mão na tua.

A contragosto ergo-me, mantendo os lençóis encostados a mim, numa tentativa de captar ainda o teu cheiro, mesmo tendo tu partido há tanto tempo atrás. Sabes, eu nunca os lavei. Nunca os tirei da minha cama. Sempre os quis comigo, pois deitar-me com eles seria o mesmo que deitar-me contigo. Ser aquecido por eles era quase o mesmo que sentir o calor do teu corpo contra o meu. Quase desejei que estes lençóis me pudessem amar da mesma forma que tu me amavas.

A tua partida deixou o meu quarto transfigurado. É quase como se tivesse sido cometido um homicídio no seu interior e todo ele me culpasse. A maneira acusadora como as paredes me olham soltando impropérios, responsabilizando-me por teres ido embora. A luz que não se acende, protestando, recusando-se a iluminar um quarto sem o teu amor. Tudo isto é culpa é culpa minha.

E ainda hoje eu faço-me de forte. Faço de conta de que nada disto me afecta. Esta mania que o homem tem de ser superior a todos os assuntos do coração rege-me e eu deixo. Sabes porquê? Porque só ninguém sabe que eu sinto a tua falta. E só ninguém saberá.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A Arte de Bem Morrer


Primeiro, o tempo pára. Literalmente. E começas a ser invadido por uma sensação de calma que te deixa completamente paralisado. É como se, instantaneamente, todo o mundo se estagnasse e o teu corpo refreasse. E então, lentamente, o teu coração palpita gentilmente. E, num crescendo acelerado, ele passa a um estado de vibração tresloucado que não te deixa respirar. O teu fôlego é-te arrancado sem misericórdia e arregalas os olhos, surpreso. Continuas estático, sem conseguires pensar em mais nada a não ser numa maneira de pores oxigénio a correr nas tuas veias o quanto antes. Por esta altura passou-se um segundo que te soube a horas. E mais ou menos agora pensas em desistir, pensas que por mais que te esforces não voltas a respirar. E é então que acontece. Sugas uma lufada de ar pelos lábios secos que te abala e faz com que os joelhos te cedam e te atirem ao chão. Uma dor alastra-se no teu peito com epicentro no teu miocárdio. Levas lá uma mão em forma de garra, tentando conter o sofrimento que te tortura. E, desalmadamente aspiras ar, apenas para morreres mais depressa, Tão depressa como começou, termina. O coração solta um gemido inaudível e cessa. Dás por ti deitado de barriga, com a mão que apertavas o peito esborrachada debaixo de ti. Nesta altura sabes que é o fim, Tens dois rios de lágrimas soltas a marcarem o teu rosto que tem uma expressão petrificada. Todo o teu corpo está dormente, como se te tivesse sido aplicada uma anestesia geral. E pensas para ti que afinal, morrer não dói. Sabes que não deves resistir pois por mais forte que te faças maior será a tua tortura. Lembras-te dos bons momentos que passaste, das pessoas de quem vais sentir saudades e das coisas que não poderás voltar a fazer. A tua mente inicia um devaneio, fazendo-te passar pela cabeça imagens de anjos a cantarem, Não te resta muito. Tentas colocar um sorriso para fingires que tiveste uma partida pacífica mas desenhas, em vez, um esgar. E acabou. Tudo o que resta de ti é o corpo inerte e mole que deixaste para trás, quando te extinguiste. Morreste.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Coração Selvagem



Sempre me jurei que daria o meu coração ao vento. Perdi a conta das juras que fiz em noites de luar brilhante e estrelas faiscantes, prometendo à brisa que, um dia, o entregaria. Contudo já perdi a conta de quantos sóis vi nascer diante dos meus olhos. De quantos ciclos lunares me dei ao luxo de contemplar. Ele continua alojado dentro de mim, teimosamente batendo, desafiando o vento por mais um dia.

Se eu te contasse as vezes que ele já foi remendado… Já o desafiei por inúmeras vezes, fazendo-o viver as paixões mais ardentes e os ódios mais gélidos. Mas ele nunca se rendeu, aceitando com batimentos acelerados todas as adversidades. E de todas as vezes que parecia desistir, quando eu estava prestes a morrer de vitória, ele recomeçava, com pulsares tímidos a vida ao meu cadáver.

No final, sei que será uma questão de tempo até domar este meu coração selvagem. Por mais crimes e atentados que ele cometa, serei um dia eu quem irá sorrir. E, enquanto ele morrer no meu peito, hei-de o entregar ao vento, tal como as minhas palavras haviam jurado na era em que o amor me abandonara.

domingo, 16 de outubro de 2011

Memóriações



Lembras-te? Tivemos noites em que a noite se calou para nos escutar, para ouvir as palavras de papel que expelíamos pelos nossos lábios. E das estrelas, recordas-te? Ainda há em ti memória de como elas pareciam desvanecer e misturarem-se com o céu negro de cada vez que os nossos corpos passavam o limite do coração e se uniam, por insignificantes horas?

Se te esqueceste, deixaste morrer o que de mais valioso tenho. De toda a vez em que as repetições diárias do exemplo do que é uma vida se interrompem em mim, é nessas lembranças que eu mergulho e me banho. É nelas que eu procuro a paz que outrora me habitava. É nelas que encontro novamente o sabor dos teus beijos e a textura da tua pele.

E, prometo-te com todas carícias que trocámos que hei-de recordar-me até estarmos juntos novamente…

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Blame it on the Alcohol

São dois quintos da minha vida e o pulsar da noite faz-se sentir na minha pele, irrigada por este luar de prata que me recorda, ligeiramente, de uma presença também ligeira de alguém que, um dia talvez, tenha habitado o meu coração. E sinto-me acolhido nos braços das estrelas que salpicam o negro do céu que nada dá a quem nada tem, esse céu egoísta que até das lágrimas nos priva.

São horas que passam e que eu não sinto passar, enquanto as fracções da minha vida se encurtam, tão lentamente quanto o tempo, e eu envelheço perdido em memórias. Ó passado tão tentador, se fosses presente haveria futuro dito promissor, mas não: és passado maldito que atormentas quem tudo teve e sofre por já não ter. E ris-te, porque és filho do tempo que te pariu, passado odiado!

São loucuras temporariamente permanentes que me assaltam e levam de mim a sanidade que explodiu em mil partículas com a partida do vento que varria o meu deserto. Já não há amenizador que acuda um pobre mendigo abandonado à crueldade da vida a suportar a solidão que se alimenta de sombras e saudades. E sinto-me tão inócuo que seria capaz de levitar e me juntar a ti, onde quer que estejas, não fossem estas trevas que me acorrentam ao solo.

São quatro sétimos da minha vida e ainda sinto a magia do veneno que circula dentro de mim. Que se deitem as culpas ao álcool que habita nas minhas veias e que o incendeiem junto comigo quando ele deixar de correr, pois sóbrio não quero ser existência. As cinzas que restarem daquilo que eu um dia fui, que se espalhem por sóis amenos e que se faça luz e calor, para que aqueles que nunca tiveram o que eu nunca tive, o possam ter. Que eu seja um catalisador de felicidade, nunca tendo sido feliz.

São nove nonos da minha vida e é tempo de eu partir de mim.

domingo, 2 de outubro de 2011

Campo de Batalha


Perdemos. Admitamos a derrota como adultos que nunca fomos. Púnhamos sorrisos de enfeite nos nossos rostos enquanto acenamos ao mesmo tempo a bandeira branca da rendição.  Fomos guerreiros suicidas nesta batalha inglória. Resta-nos regressar às nossas casas, separados, curar as feridas que em nós ficaram marcadas e que, com certeza, serão as cicatrizes de guerra que mais amaremos.

Será luz que eu vejo ao retornar? Pensei estar tão errado na nossa rendição. Afinal, desistir da batalha que enfrentávamos era sinónimo de desistir de ti. E no entanto, também a tua mão se juntou à minha, erguendo o mastro que sustentava o pano com a cor da paz. Mas estaremos nós nesse estado inatingível? Reformulo: estaremos nós em paz, estando os nossos corações separados?

Queria perder as memórias que ganhei no campo de batalha. Queria perdê-las como este riacho que corre junto aos meus pés perde a lembrança das pedras que beija na sua passagem. No entanto, sou tão teimoso quanto as pedras deste riacho: ambos mantemos as memórias dessa passagem. Afinal, como podia eu abandonar tais memórias? Nem o mais vil e cobarde dos seres esquece o amor…

Cada palavra sussurrada ao meu ouvido. Sabes a que me soava? Soava-me a um coro composto por fadas, entoando um canto mágico, que me deixava completamente hipnotizado, extasiando-me ao ponto de desejar que tais palavras nunca cessassem. E ainda assim, tal era sensação era ultrapassada quando comparada com as memórias das trocas de calor dos nossos corpos.

Mas já nada disto me pertence. Fui feliz contigo, mesmo nunca te tendo realmente, pois as bombas que mergulhavam do céu e as minas que se escondiam no solo mantinham-nos apartados. Contudo, sempre fomos duas fracções opostas que lutavam por um objectivo comum: o nosso amor. No final, o relatório desta guerra tinha, carimbado a vermelho, em letras bem grandes, “missão falhada”…

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Sorrindo

Estou a sorrir. Que mais posso eu fazer neste momento, enquanto o meu mundo se desmorona com saudades tuas? Devo deixar os meus joelhos cederem, como se já não tivesse forças para suster o meu corpo, porque o teu amor me retirou toda a vitalidade? Devo eu afogar-me nas mágoas, naquelas que eu enchi com lágrimas, cada uma representando um pensamento de ti?

Não, eu quero sorrir. Porque ainda sou feliz contigo nos meus pensamentos. Ai meu mundo imaginário, como tu me fazes flutuar com imagens proibidas. Os teus lábios são flores com os sabores mais tentadores, flores que eu quero colher suavemente com os meus próprios lábios, numa dança de amor e sedução. Dá-me a mão. Vem comigo. Saltemos para o mundo real e todos estes desejos serão materializados nos nossos corpos.

Estou farto de olhar para ti, sem te ver, e sabendo que no teu olhar dançam pensamentos impróprios e tão apropriados. Seremos sombras na noite enquanto te agarro na cintura e tu pousas as tuas mãos nos meus ombros e valsamos em direcção à Lua. E, se o meu coração deixar de bater devido ao estado de êxtase, que eu morra com os nossos corpos ligados, deixando em ti, o último pedaço de mim.

Amor, sei que não me ouves, mas eu vou continuar a sorrir. Por mais longe que estejas, eu sempre posso alcançar a tua mente, através das recordações a que os outros intitulam, banalmente, de felizes. E espero que possas sorrir comigo, enquanto te dedico, movendo os meus lábios sem emitir qualquer som, as palavras que gravei no teu coração.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Lágrimas

Há muito que temia a chegada deste dia. Sabia exactamente que chegaríamos a este ponto em que a nossa existência mascarada de pacífica se desmoronaria e tal acabou por acontecer. Eu queria que assim fosse. Tolo, tolo, tolo. Se não fosse tão presumido talvez o desfecho fosse diferente.
Mas pago com lágrimas cada erro cometido. É um preço mais que justo.

Mesmo que existam palavras que possam ser proferidas, sejam elas para aliviarem maus momentos ou tentativas de reatar laços, eu não as quero escutar. Procuro uma mudança, um rumo, porque há muito que perdi o meu e tenho simplesmente navegado por aí, na incerteza, sem definição.

Não sei se terei forças para tal. Sinto-me tão impotente, enquanto vejo tudo aquilo que construí e que julgava tão forte, ruir com ligeiros sopros teus diante dos meus olhos. Quero abrigar-me. Fechar os olhos e fingir que nada disto está a acontecer. Fingir que ainda podemos ser felizes, juntos.

Contudo, seria um acto infantil, correcto? Disso também vou deixar-me. Eu sabia que isto iria acontecer, ou não tivesse rabiscado aquela frase profética num pedaço de vida improvisado. Agora repito-ta e completo-a: dou-te um sorriso, porque de lágrimas estou pobre, porque tu fizeste com que as derramasse todas.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Eternidade Cega




Foram dois dias, talvez três. Perdi a noção do tempo por causa da dormência que se apoderou do meu corpo nesses dias de frio. Pois, do frio recordo-me bem. O céu descarregou a sua fúria sobre mim, lançando ora correntes de neve de um branco tão admirável e mortal ora trovões e relâmpagos que preenchiam a atmosfera libertando rugidos de fazer tremer qualquer guerreiro.

A minha companhia era nada, pois nada eu me sentia. Talvez por estar sozinho, acompanhado de ninguém ou talvez por a minha companhia estar demasiado longe de mim. Ou pelo menos longe de onde importava estar. Sei que senti o meu corpo se partir em mil, sendo cada ínfima partícula do meu ser devorada pela dor de desaparecer sem ti. Contudo eu reunia-me de novo rapidamente, somente para me estilhaçar de novo.

Coitada da minha mente que se enganava com imagens do tempo em que éramos felizes. Em que tínhamos sorrisos desenhados nos rostos e usávamo-los com frequência desmedida, sem nos preocuparmos com a possibilidade de um dia eles se acabarem. E, no entanto, eles acabaram-se. Acabaram-se os sorrisos ligeiros, as gargalhadas de felicidade, os abraços de compreensão e os beijos de ternura que trocávamos.

Juro-te, gostaria de ter novamente uma oportunidade de te responder. Naquela altura, tudo era para mim apenas um jogo: tinha um tabuleiro, muitos peões e os dados na minha mão. Como pude ser tão imbecil? Se pudesse derramar lágrimas, há muito que eu o tinha feito. Mas não posso fazê-lo e então choro internamente. Pois tu levaste os meus olhos no dia em que me disseste “Não me vejas com os olhos, vê-me com o coração”. E desde aí, nunca mais te vi.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Eternos


Amor, façamos silêncio até que ele o faça por si próprio. Ainda temos tempo para deixarmos o tempo se escoar por entre os dedos das nossas mãos, então porque não fazê-lo? Deixemo-lo passar e celebremos, beijando-nos com aquela intensidade bravia de um vulcão em plena erupção, daquela forma que só nós sabemos verdadeiramente replicar.

Teria saudades do passado se não te tivesse no meu presente. É que nem me é possível descolar o meu pensamento de ti, amor. Como é que o fazes? Como é que inebrias os meus sentidos, deixando num transe tão profundo que só imagino os teus lábios e o meu corpo numa dança de sedução e prazer eternos. Deitemos o prédio abaixo, façamo-lo ruir. Incomodemos os vizinhos com os gritos de libertação enquanto fazemos amor, meu amor.

Juntas-te a mim? Para sempre, amor? Se é a isto que chamam de dependência, que se lixem. Querem que berre com todo o ar dos meus pulmões que sou dependente de ti? SOU DEPENDENTE DE TI, AMOR! Porque te amo. Dá-me um sorriso e eu verei o teu sorriso como eles vêem uma pedra preciosa com toneladas. É disso que eu preciso. De nada mais que tu, amor. De ti e do teu amor. Eternos.

domingo, 21 de agosto de 2011

Quando Sopra a Brisa Norte



Ela sopra, novamente. Há outra vez a sua fragrância em meu redor, aquela que eu nunca consigo desmembrar e reconhecer os componentes. Será sempre aquele incógnita conhecida, a minha brisa norte.
Certamente que se inquirisse todos os que me rodeiam sobre o odor trazido por esse vento ligeiro, descreveriam-me todos os ingredientes da felicidade: sol, terra, chuva, sorrisos e risos. Contudo, a mim, cheira-me a tristeza e a saudade, cheira-me a ti.
Então fujo. Abrigo-me no meio das árvores que, no centro do nada em que me encontro, são o meu único socorro. Debaixo das suas copas, cheira-me menos a ti. Há menos brisa norte.

sábado, 13 de agosto de 2011

Ciclo


Sente-me, não me deixes morrer outra vez. Mil vezes foram dolorosas o suficiente, ao ponto de me sentir desmembrado de cada vez que respiro. Cada vez que conspiras contra mim, é como se me atirasses do topo de um arranha-céus. E acredita em mim, todas as quedas doem tanto como a primeira.
Pediste-me silêncio. Eu dei-te. Contudo, parece que não foi suficiente. Não te chegou sorrires em todos os meus funerais. Queres algo mais e eu não sei o quê. Já me tiraste tudo.
No entanto, recusas-te a deixar-me repousar. De todas as vezes que me ergo do meu caixão para respirar de novo, fazes o impossível para me roubar o ar. E sei que viveremos neste ciclo para a eternidade. Pelo menos, até à eternidade de um de nós findar.

domingo, 10 de julho de 2011

Amor Psicótico


-Shh!! Não faças barulho, ela pode ouvir-nos.

E, mais uma vez, deslizamos em ponta dos pés para longe de ti. Tem que ser assim. Se não formos cuidadosos, iremos fracturar o teu fragilizado mundo. Então, somos sombra e silêncio inexistentes no teu mundo, pelo menos,  enquanto estivermos juntos. Pois, para ti, sou objecto que possuis sem hipótese de partilha.

Se soubesse em que labirinto me metia quando te conheci, teria negado, delicadamente, o convite indiscreto que me fazias. Não queria ser pó e poeira na tua estrada, o qual pisavas enquanto seguias o teu caminho. Fui mais fraco que a razão, que esmagava a minha consciência e, sorrindo tristemente, dei-te a mão. Quis que as coisas fossem diferentes, que não tivéssemos que pintar o mundo com as cores de sempre, evitando seguir assim o trilho que o destino esculpira para nós.

Contudo, sou tão forte quanto a minha fraqueza. Tínhamos caminhos diferentes e, por mais que eu quisesse que ficássemos juntos, era impossível. Apanhados numa bifurcação, separámos-nos e desencontramos-nos para sempre. Julguei-te perdida e assim te quis relembrar, como um percurso impossível, sem pena e sem remorsos, apenas mais uma página no livro da minha vida.

Só que tu não quiseste aceitar aquilo que era o rumo natural das coisas. Sempre foste dona da tua opinião e mestre na cobiça do alheio. Eu só podia ser teu, e de mais ninguém. Mesmo quando me jogavas palavras explosivas, dizendo que me odiavas, sabias, lá no fundo, que o que querias realmente era ter o meu corpo junto ao teu. Então, decidiste virar as costas a tudo e perseguir-me. No entanto, aos meus olhos, não és nada mais que um demónio que me segue e atormenta, então fujo de ti e, quando não consigo, faço de conta que está tudo bem.

Hoje, ainda te vejo, mesmo passado tanto tempo. E, quando te encaro, vejo os mesmos olhos tresloucados com o teu amor psicótico. Não te iludas mais e desperta. Somos dois e não um e, mesmo separados, somos zero um para o outro. Não respires. Deixa-me viver, morrendo.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Humanamente Falando...

Hoje, não me perdi em ti
Porque te perdeste em alguém que não era eu.
E, por não ser eu, perdeste-te em alguém
Que desconheço tanto como te conheço a ti.
Fizeste-o por medo?
Não sei mesmo qual a razão!
Mas não importa, seria esse o destino,
Mais tarde ou mais cedo.
Mais cedo do que previ me perdi em ti.
Muito por me querer desencontrar de mim,
Porque, em mim, repousava
Um desconforto imparável e insustentável.
Desejava ser outra vez algo que já fui.
Contudo, não me recordo de como o ser.
Fiquei com nada de tudo aquilo que tinha,
Só porque um dia desejei ser humano.
Humano, como tu não és e nunca serei.
Seremos inumanos até ao fim.
Humanamente.

domingo, 3 de julho de 2011

Remoinho


Frágil. Tão frágil e fraco. Quase silêncio. Mas não o foi. Ouvi-o. Debilmente, mas ainda assim, escutei-o. Se o percebi? Não sei. Falaste pouco. Foste curto. Preciso de mais. Contudo, não sei se haverá continuação. Duvido agora. Terá sido real? Ou imaginação? Faltam-me provas. Necessito de mais palavras. Mas não sei se virão. Não sei se as dirás. Queres dizê-las? Pronunciá-las talvez? Quererei captá-las? Tenho medo. Medo e dúvidas. Estou perdido. Sem reacção. Que faço? Preenche-me uma indecisão firme. Quero-te? Não sei. Gostei de te ter. Odiei perder-te. Mas quero-te de volta? E tu? Queres voltar? Não sei se ainda há lugar para ti. Vago. Lugar vago. Queres ocupá-lo? Diz as palavras. Eu tentarei escutá-las. Profere-as. Acho que tenho receio do teu silêncio. Isto significou algo? Ou é uma ilusão minha? Estou confuso. Perdi noção. Perdi-te a ti e a mim. Voltas para eu regressar? Por favor...

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Sonho de Criança




Ouvi e tremi. Sabia que era apenas uma história, mas não pude evitar que um tremor se espalhasse pelo meu corpo ao reparar nas semelhanças com a minha realidade. Este conto sussurrado parecia nada mais do que a nossa história.

Falava de um rapaz. Era novo e ingénuo. Vivia sozinho, numa casa no meio de uma floresta. Não havia ninguém por perto e o sua única amiga era a sua sombra. Não conhecera mais ninguém igual ou semelhante ao reflexo que via todos os dias no espelho do seu quarto. Ainda assim, o rapaz era feliz na sua solidão.

Certo dia, enquanto colhia, das árvores mais altas, os frutos para o seu jantar, aproximou-se algo dele. Era semelhante a si, se bem que tinha os olhos de outra cor e usava o cabelo mais comprido. Vinha com um ar hesitante no rosto, mas com um sorriso desenhado nos seus lábios. O rapaz, apanhado de surpresa, deixou cair o seu cesto, e fugiu para dentro da sua casa, e jurou não sair enquanto a rapariga lá estivesse. Ele temia-a.

Só que os dias passaram, e ela não se afastava da casa do rapaz. Por vezes, impaciente, batia na porta e nas janelas, pedindo que saísse ou que a deixasse entrar. Mas ele não queria. Estava tão bem na sua solidão acompanhada da sua sombra que não precisava da companhia dela.

Apenas anos depois, a rapariga desistiu, e somente porque foi apanhada pela morte. Estava fraca, de tanto aguardar pelo rapaz, que acabou definhando. E assim, o rapaz, que já era homem, pôde voltar à sua vida normal, sem ninguém a lhe perturbar. Só ele e a sua sombra. Outra vez.

Quando a ouvi, identifiquei-te mais com ela do que eu com ele. E pensei: "Ainda bem que ela não demorou tanto tempo!" É um prazer ver-me livre dessa maldição. É o meu sonho de criança, viver sem ti.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Fim

Lá porque tudo se acabou, não quer dizer que seja o fim de tudo. Porque apenas findou mais uma era, mais um reinado de insucesso. O termino é apenas o principio. Não sei se de algo melhor, se pior. Mas não será com certeza o fechar de portas do mundo.

Se ainda quiseres, posso dizer-te porque falhamos. Fomos descuidados, imbecis até. Tu porque quiseste acreditar que as coisas seguiriam o seu rumo natural e todas as peças se encaixariam nos sítios correspondentes, sem que fosse necessário nenhum esforço que não fosse sorrir. Esqueceste-te de uma parte muito importante, uma pequena informação que podia alterar o curso que seguimos: eu não sou normal. Não faço parte das padrões standard pelos quais te reges.

Colapsamos, lentamente, como um castelo de areia esquecido numa praia, desgastado pelo vento e pelas ondas do mar. Desaparecemos, grão a grão, até nos tornarmos dois outra vez. Separados, como no inicio antes do fim. O fim trazido pela nossa separação.

Não é o final, este fim que caiu sobre nós. Ainda faltam-me cumprir tantos objectivos, tantas promessas, tantos desejos. Não vou findar a minha vida, por algo tão insignificante. Serei sempre maior que os fins. Afinal, eu sempre prometi que iria tocar o céu, passar os meus dedos entre as nuvens e afagar o sol e ainda não o fiz. Este, prometo, não será o fim.

domingo, 12 de junho de 2011

Restos de Humanidade


Foi num domingo. Lembro-me como se fosse ontem...

Estavas a passear-te pela mata, de cabeça baixa, pensando na tua vida. Arrastavas os pés, derrotado, enquanto combatias os pensamentos que tentavam desmoronar-te. Não tinhas ninguém ao teu lado e era isso que mais te custava. Olhavas para a direita, e não vias ninguém. O resultado do teu olhar sobre a esquerda era exactamente o mesmo. E quanto mais te apercebias da tua solidão, mais te enterravas em ti mesmo, sofrendo como se te torcessem o coração e to arrancassem.

Dois dias antes, tinhas feito um acto digno de ser categorizado como 'demente'. Afogado na mágoa da tua solidão, privaste-te do teu coração e puseste-o à janela. Querias tanto, mas tanto que alguém reparasse nele e se apaixonasse, ou pelo menos que tivesse compaixão, que ele manteve-se activo, batendo freneticamente, mesmo sem o teu sangue a irrigá-lo. Impressionante mesmo. Contudo, a tua tentativa de promoção do teu amor foi um total fracasso e lá tiveste de o coser novamente ao peito, sem nenhum outro para se lhe juntar.

As memórias atormentavam-te e faziam-te desejar desaparecer. Apareciam escritas nos troncos das árvores pelas quais ias passando, como fantasmas do passado que juraram assombrar-te até o amor se dignar a habitar-te. Deixavam-te num ponto em que desejavas enlouquecer, apenas perder a cabeça e deixar para trás todas as complexas teias do amor. Contudo, era-te impossível enlouqueceres. Estavas demasiado consciente, demasiado lúcido para perderes noção das barreiras, dos limites que a tua mentalidade impunha.

No meio da mata, eras um homem abandonado. Sozinho, não como uma ilha num mar gigantesco, mas sim como um planeta sem galáxia, numa extremidade esquecida do universo. Rejeitado pela ignorância dos outros e ainda mais distante pelo teu conforto. No entanto, no meio daquela mata, achaste-te a ti próprio. Eras pouco mais que um ser humano, se calhar nem tanto. Não desististe e combateste-te. Encontraste dentro de ti, restos de humanidade que te afastaram da demência. Viveste mais um dia. Mais um dia na tua luta contra tudo. Mais um dia na luta pelo amor.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Fragilidade

Não, eu não vou sucumbir à tua vontade... Por mais que me tentes incutir que os teus mandamentos são os correctos, que os teus desejos são a vontade de uma nação, eu dir-te-ei: "Eu sou um homem que é uma nação só por si".

Menosprezaste-me... Trataste-me como se nada fosse, enquanto me querias. Lamento, mas pensei que soubesses que não me podes conquistar rejeitando-me. Não me podes fazer correr atrás de ti, abandonando-me, pois eu trilho o meu próprio caminho.

Julgaste-me fraco como todos os outros que fazias prisioneiros no teu castelo de contos-de-fada recheado de medos e cobiças. Eu sou muito mais que os escanzelados esfomeados de amor que atrais para lá com promessas de um final feliz. Muito mais.

Sou tanto quanto tu, não menos... Talvez um pouco mais... Não, somos tão iguais quanto diferentes! Queremos o mesmo, de diferentes maneiras. Não faço intenção de trocar o céu pelo mar para ter amor. Tu, por outro lado, venderias o paraíso ao inferno por tal presente.

Lamento, no final da nossa história. No final, lamento o princípio. Não queria que um conto destes figurasse no meu livro, mas tu escreveste-o contra a minha vontade. Presumiste a minha fragilidade, assumindo-a como trunfo na tua manga. No final da nossa história, não te perdi, mas tu perdeste-me.

domingo, 29 de maio de 2011

Promessas de Amor

Disse ela, um dia
Comigo, sempre, ficaria
Nos vales desabitados,
Outrora povoados
Da paixão.

Foi promessa, disse ela
Seria ela Cinderela
E o príncipe, eu,
Do amor que viveu
Na eternidade.

Disse ela, acredita
A história será infinita
Contos serão contados
De nós, nunca mergulhados
Em ilusão.

Amava-me, ela disse
Que nunca sumisse
A chave do tesouro
Do sentimento duradouro,
Desta realidade.

Mas, houve um som, um ruído,
Uma interferência ou zumbido
O amor nosso foi corrompido,
E assim perdeu-se, foi sumido.

E quebraram-se as promessas de amor...



quarta-feira, 25 de maio de 2011

Verdades e Mentiras


Se uma verdade fossem dez mentiras, eu nunca te teria mentido. Porque uma mentira seriam dez verdades e não terias escutado mais do que as palavras que almejavas. O universo seria teu, porque para ti fora construído, com bases de cobiça e inveja e alicerces de castigo e vinganças.
Serias rainha e desfilarias nua, porque a tua nudez era perfeita e querias que o teu mundo assim o fosse, perfeito. Terias, na sala onde te entretinhas, no teu palácio de cristal, um coro que te cantaria os elogios que lhes ensinaras. Os mesmos que te mentia ao ouvido enquanto sonhavas que me fodias.
Mas, uma mentira não são dez verdades. O chão sobre o qual caminhavas, acreditando ser estável, afinal é tão inseguro quanto a tua auto-estima. Tenho pena de ti, enquanto te observo, a olhares para as paredes do teu palácio que ardem, definhando contigo. Contudo, uma verdade são dez mentiras...